quinta-feira, 10 de maio de 2007

Viajar de mota

Pelo meu amigo Carlos Cordeiro, viajante de mota que escolheu a Pan European para sua companheira de estrada. Possuí o dom da palavra, e no texto a seguir descreve o que sente a viajar...de mota claro! Um grande abraço.

"Ao viajar com a minha moto, o papel que desempenho é o que a moto me confere, o de motociclista e de viajante. Não outros. Sou, então, na medida em que viajo de moto, sempre que os outros assim o reconhecem.


A minha imagem altera-se, quando viajo de moto. Vestuário, alegria, poeira, bagagem, cansaço, curiosidade, misturam-se de forma exclusiva. A estética de viajante de moto expõe-me, distingue-me, é cartão de visita simples, agradável e seguro.


É da natureza que me aproximo quando, de moto, circundo as falésias durienses, trepo os Alpes ou sulco os diques holandeses. Estou ali, à distância de uma viseira, entre os odores, envolvido pelos sons, a olhar a paisagem. Ao viajar de moto, chego-me ao palpitar da cultura, quando entro em contacto com os aldeãos do Sul de Marrocos, paro para ouvir um cante alentejano, invado habitações trogloditas milenares no Perigod, escuto falar mirandês, troco impressões com “Motards en Colère”.


É liberdade que sinto, quando a moto me faculta ultrapassar os congestionamentos de Bordéus, me dá espaço cativo nos barcos para Tróia, permite lugar de estacionamento nos jardins do Casino do Mónaco ou nos Campos Elíseos, me antecipa portagens, ou fica ali, à minha vista.Quando viajo de moto, a comunicação com outros viajantes de moto é espontânea, a saudação e a troca de informações, imediata; o casal idoso do sidecar BMW incentiva-me a progressão na serra Nevada, o velejador francês da Goldwing convida-me para o bar em Annecy; o alemão da 650 acompanha-me na costa mediterrânea, o casal dinamarquês em Sion confessa-me estar em viagem há dois meses...


Aos locais, fascina o viajante de moto; uma criança marroquina acena-me longamente da traseira de um automóvel, um velhote sevilhano vem comigo ao outro lado da cidade, um austríaco em suspensórios deseja-me boa viagem, um pastor nos campos alentejanos de Ferreira cumprimenta-me de braço esticado.


Ao viajar de moto cumulo poder. Não para usurpar dos lugares ou hierarquizar relações, mas para desfrutar do espaço e me aproximar dos outros, para me associar à natureza e à cultura.


Viajar de moto é um pedaço de vida."

Carlos em Marrocos na companhia de Paulo Mafra

autores do livro "Viajar de moto, Destino Europa"



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